quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

"A necessidade das memórias na casa dos Braga"



Vivendo uma época em que tudo parece resumir-se às sensações imediatas do momento, a necessidade da memória deve ser um imperativo para as reflexões contemporâneas. Embora nem todos percebam, vive-se às voltas com o arquivo, a preservação e o resgate dos mais variados tipos de informação, tanto no espaço público quanto no privado. Na expressão ambígua e provocativa do pensador francês Jacques Derrida (1930-2004), a cultura atual sofre do “mal de arquivo”, obcecada pela recuperação de textos, imagens e objetos, enfim.
Andréas Huyssen (1942), por sua vez, estudando a cultura da Pós-Modernidade, aponta na sua mania de museu, um esforço para fugir da amnésia. O confronto entre a tradição e os deslocamentos culturais, da atualidade, vem suscitando não apenas uma tarefa de desconstrução, mas também de reconstrução. Se por um lado o fascínio futurista, que passou a ser engendrado pela Revolução Industrial, fez surgir um modo de vida dispersa e irrefletida, sem uma mediação mais direta com o passado, por outro, trouxe também duas guerras mundiais.
Nesse contexto histórico, já se podia encontrar então um grande divisor de águas, na primeira metade do século XX, e a necessidade de se repensar a relação do homem com as novas tecnologias. Isso significava saber o que o “novo homem” tinha proporcionado ao “velho”, ou seja, a ele mesmo, pois, às vésperas da Segunda Guerra, as relações da Modernidade com a herança antiga já se encontravam demasiadamente conflituosas.
Nota-se, portanto, que o grande interesse de estudiosos da memória pela “re-construção” se volta para ajustar as exigências do novo com a nostalgia do velho. Assim, entre as academias e as massas, o acervo precisa ser refletido e disseminado para se pensar o agora. Não é por menos que, hoje, exposições museográficas se organizam como espetáculo; as bibliotecas divulgam seu acervo pela internet. Até os arquivos privados e secretos ganham publicidade, além de velhas canções e épicos que voltam à mídia. Euforia e mal-estar, embora contraditórios, se mesclam e refletem a tônica dos discursos memorialísticos e multiculturais. É preciso, então, reconhecer a relação presente-passado como uma experiência necessária, que se propõe a buscar os lugares da origem e também os arquétipos adormecidos, distantes, mas, nem por isso, menos desejados. Nessa perspectiva, diante dos deslocamentos e condensações que se armazenam a todo o momento no inconsciente, não se firmou a ciência pscicanalítica? Basta considerar-se, por exemplo, que foi nos vestígios da Roma Antiga que Freud também foi motivado a elaborar o seu pensamento acerca do inconsciente, reconhecendo que, das experiências do ontem, estão as lacunas que precisam ser repensadas agora. Da distância entre as ruínas do acontecimento passado e a impressão que ele deixa, está muitas vezes a superação necessária para o homem contemporâneo, que anda esquecido de si mesmo...
É assim que a sugestão de uma leitura como a "Casa dos Braga", de Rubem Braga, se torna uma agradável e oportuna experiência para se pensar a relação com o passado, na atualidade. Na referida obra, quando se toma a recordação de um determinado lugar, tem-se um acervo que, entremeado pela experiência poética, aponta o acolhimento do ontem para se continuar vivendo o hoje: “Casa, para mim, era alguma coisa que fazia parte da própria família, algo que existia desde sempre e para sempre com a mesma família” (BRAGA: 1997, p. 88).
Eis a casa do escritor que surge, portanto, como o espaço das essências, em sua condição de virtude e de uma felicidade germinante, mostrando que o tão desejado e impreciso agora não pode excluir o ontem...

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