sexta-feira, 30 de março de 2012

“Prefiro Não fazer”: uma forma de protesto ao Capitalismo

“Prefiro Não fazer”: uma forma de protesto ao Capitalismo



Raphael de Oliveira Reis[1]



Como já dissemos em outras oportunidades, uma boa obra é aquela que permite ao leitor um leque de interpretações, as quais são aceitas, mas nem sempre aceitáveis. Além disso, uma boa obra é aquela que nos diz algo, que faz sentido em nossa existência.

Bartleby: o escriturário, de Herman Melville (autor da famosa obra Moby Dick) é mais um livro que movimenta a criatividade dos críticos literários e do leitor comum, pois permite vários pontos de partida, bem como de chegada, devido ao comportamento atípico do protagonista Bartleby[2].



Eu, particularmente, parto da perspectiva de que o comportamento de Bartleby rompe com valores éticos, ou melhor, com o ethos do sistema capitalista, numa possível forma de “protesto”, de desencantamento; mesmo não consciente, não revolucionário, apático, mostrando a frieza das relações sociais[3] que tal sistema estabelece e reproduz como natural.

Uma das idéias principais do liberalismo é que os homens são iguais, haja vista que são proprietários (seja dos meios de produção ou de sua força de trabalho). Quando o advogado (não é mencionado o seu nome[4]), dono do escritório e narrador da história) chama Bartleby para revisar um documento, e este rompe com a normalidade aceita por todos, dizendo “Prefiro Não Fazer”, na verdade, recusa colocar a sua força de trabalho em disponibilidade, deixa de ser proprietário, logo é alguém estranho. Inclusive, essa atitude (de deixar de ser um bom trabalhador, de romper com a disciplina do trabalho, leia-se produtivo) irrita os outros dois trabalhadores do escritório, pois na divisão do trabalho há a necessidade de cooperação, para aumentar a produtividade, fazendo com que eles tentem persuadir Bartleby, mesmo que fosse necessária a violência para isso.

Porém, numa atitude racional de um homem capitalista, se assim o fosse o advogado, o mais correto seria despedi-lo, mas não consegue. Há alguma coisa em Bartleby que lhe desperta atenção.

Segue uma sucessão de ordens, no entanto, todas elas são rechaçadas com a famosa frase: "prefiro não fazer". Aumentando a pressão sobre o que fazer, o advogado tenta algumas alternativas (compaixão a la caridade cristã – dar dinheiro para que Bartleby deixasse o local de trabalho e procurasse outros afazeres -, que resolveria o problema, pelo menos do ponto de vista do advogado), porém não deu certo. Muda de escritório, contudo Bartleby permanece no prédio. Aqui há outro dado interessante: há uma fusão de Bartleby (corpo) com o espaço de trabalho, confundindo-se com o local de trabalho, não tem para onde ir. E assim, por quebrar a normalidade, Bartleby é preso como vadio (perceba que essa é uma prática que está relacionada às leis inglesas do século XVII, na Inglaterra), nas quais aqueles que não conseguiam trabalhar devido aos cercamentos, eram presos por vadiarem pelos centros urbanos.

Outro ponto do liberalismo é colocar o mercado como centro das relações, isto é, tudo é mercadoria, inclusive as relações humanas e os sentimentos. É um individualismo como valor radical, no qual as pessoas são guiadas por desejos e interesses, e não por laços de solidariedade, de interesses coletivos, e sim por interesses individuais para obterem vantagens. E não é à toa, que o título original tinha como subtítulo uma história de Wall Street (coração do mundo financeiro nos EUA).

Ao final, parece que há uma lucidez do narrador desta realidade, quando este apreende ou dá sinais de começar a compreender o humano, através de Bartleby, fazendo uma relação metafórica entre carta extraviada (para o carteiro é uma simples carta, mas para quem a receberia ou a enviou, não) com sua relação (humanidade) com Bartleby.

Ao final, as últimas palavras do narrador são: “Ele (Bartleby) era um homem a quem a prosperidade fazia mal” (grifos meus). E “Ah, Bartleby! Ah, humanidade!

Sobre Herman Melville:





[1] É Mestrando em Educação (UFJF), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Social (UFJF) e Historiador (UFJF). É Edittor da Revista Encontro Literário e integrante do Grupo Prazer da Leitura. Atualmente, trabalha como Professor de Suporte Acadêmico no Caed-UFJF, Assessor Político e ministra cursos na área da formação do leitor e formação política.
[2] Conferir a dissertação de mestrado “Bartleby, de Herman Melville, e Begrebet Angest, de Søren Kierkegaard: possível aproximação” [Mestrado em Teoria Literária, PUCRS, 2002], de Vinícius Figueira.
[3] Ao fazer essa escolha estou excluindo outras possibilidades de análise, isto é, deixando outros ângulos de lado, porém o leitor poderá ter contato com essas outras reflexões na dissertação supracitada. Nesta perspectiva que estou adotando não percebo contradições de classe, mas sim um rompimento com o ethos do Sistema Capitalista.
[4] Creio que a ausência do nome do narrador deve-se ao fato de expandir suas características de sujeito a tantos outros que possam se identificar, ou seja, seria uma identidade coletiva.

2 comentários:

  1. Que coincidência. "Preferiria não fazê-lo" é um dos títulos e a conclusão do primeiro romance policial de L.A.Garcia-Roza, "O silêncio da chuva", objeto de minha dissertação.

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    1. Ei, Enaldo! Às vezes pode ter uma relação...Obrigado pela visita ao site - acabo também de entrar em teus blogs. Interesantíssimo a exposição do Crumb - eu conhecia o trabalho dele com a Metamorfose do Kafka. Abs

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