sábado, 30 de junho de 2012

Conto selecionado no Edital 03 - 2012, categoria Juvenil: "A caçada"

A caçada
por Júlia Cedro de Oliveira*


     Eu sei que deveria correr enquanto ainda tenho chances, mas por um motivo que não sei qual, eu fico paralisada atrás da porta do meu quarto, ouvindo os Caçadores conversando com meus pais. Eu sabia que eles viriam me buscar, só não sabia que viriam tão cedo.
      Foi aos 12 anos que percebi que era diferente dos outros. Estava na escola e minha melhor amiga veio em direção a mim, pedindo um lápis de cor emprestado. Eu poderia estar louca, talvez fosse só a minha enorme imaginação, mas posso jurar que ouvi o pensamento dela. Neste dia percebi que conseguia ler os pensamentos das pessoas ao meu redor e percebi que minha melhor amiga na verdade não gostava tanto de mim como imaginava.
     Cheguei em casa chorando e contei aos meus pais o que tinha acontecido, desde o momento que consegui ler o pensamento da minha amiga até quando essa amiga passou a ser minha inimiga. E então eles me contaram tudo que até então eles tentaram esconder de mim.
      Eu era um experimento aparentemente falho do Governo. Quando nasci eles poderiam ter me jogado fora como algo que eles não queriam mais, algo que antes era encantador, mas que agora se tornou fútil e repulsivo. Esse casal acolheu-me e tratou-me como se eu fosse uma filha para eles, como se eu fosse humana.
       O Governo estava errado e o que acontecera na minha sala de aula era uma prova disso. Eu não era falho, meu DNA apenas demorou em aceitar a modificação que eles estavam tentando fazer. Demorou um pouco mais do que a paciência deles pôde esperar. Só que não sou mais fútil como antes, agora eu posso até ter uma utilidade para eles e eles virão atrás de mim.
      E finalmente esse dia chegou. Meus pais adotivos estão nesse momento tentando convencer os apelidados por mim como Caçadores de que não estou dentro daquela casa. Não dá para enganá-los, meus pais só estão me dando um tempo para fugir. Mas eu não consigo sair do lugar. Não consigo deixá-los sozinhos depois de tudo que fizeram por mim. Eu sei o que os Caçadores podem fazer com eles, e essas coisas não são boas.
         Um barulho de tiro me tira do meu devaneio e me traz de volta para a realidade. Os Caçadores não podiam simplesmente me descartar e pegar de volta na hora que quiserem, eu não sou um brinquedo. Sei que não sou humana, mas conforme o tempo eu criei compaixão por eles.
      Minha raiva fez com que meu sangue bombeasse mais rápido em minhas veias e que minhas mãos abrissem a porta na minha frente. Passei os olhos pela sala de estar para saber o que o tiro acertou. Deixei um suspiro de alívio sair da minha boca quando vi o que foi acertado: um vaso de flores estava estilhaçado no chão. Meus pais estavam em pé um do lado do outro e eu não precisava ler suas mentes para perceberem que eles estavam assustados.
          Coloquei-me na frente deles, a fim de protegê-los.
       - E vocês disseram que ela não estava em casa hein? – uma voz áspera e rude saiu de um dos dois Caçadores, apontando uma arma para a cabeça da minha mãe e o outro apontando para a cabeça do meu pai.
      Encarei a arma assustada. Eu sei que posso ler as mentes, mas por algum motivo as mentes deles estavam bloqueadas. Mas é claro que viriam preparados. Cerrei os punhos com raiva da minha própria estupidez e algo que os dois Caçadores viram em mim os fez recuarem. Continuava a encarar as armas nas mãos deles. Eu não podia desistir tão fácil.
         - Cuidado, a coisinha está nervosa – os dois agora desviaram a mira das armas para outro alvo.
        O perigo não era os dois humanos frágeis atrás de mim. Sou eu que tenho o poder desconhecido. Não pude deixar de soltar um riso contido.
      - EU. NÃO. SOU. UMA. COISA – gritei pausadamente, tentando recuperar o ar que perdi durante esse meu ataque de cólera.
        E algo aconteceu. Os corpos dos Caçadores começaram a pegar fogo. Dei um passo para trás fazendo com que meus pais também recuassem. Olhei para todos os lados, alarmada, procurando a fonte do calor que fizera aquilo, mas não havia nada que pudesse fazer com que aqueles corpos musculosos queimassem com tanta facilidade, e mesmo que tivesse, eu e meus pais também estariam se dilacerando lentamente no fogo.
        - Fui eu – disse em quase um sussurro.

Estávamos livres dos Caçadores.
Por enquanto.


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* Julia Oliveira, 15 anos, estudante do primeiro ano do Ensino Médio. Gosta de ler e sonha em publicar um livro um dia. Tem um blog literário (http://wakeupthe-world.blogspot.com) e ainda acredita que pode mudar o mundo para melhor. Protetora dos animais, gostaria de pegar todos os cachorros de rua e levá-los para casa. Contato da autora: juliacedro@ig.com.br

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