domingo, 29 de julho de 2012

A Biblioteca ontem e hoje


A Biblioteca ontem e hoje



Raphael de Oliveira Reis[1]

 


Se você parar um instante e tentar lembrar-se da última vez em que esteve em uma biblioteca ou, mesmo que nunca tenha estado em uma, certamente irá ter a sensação de que este espaço é para aqueles que se dedicam horas e horas de leitura, de pesquisas, e que junto a essas atividades é cultivado o silêncio e a ordem. E ser for uma biblioteca minimamente organizada, a lembrança será um lugar onde as prateleiras são dispostas em ordem e limpas, para facilitar o acesso e a preservação das obras. Porém, ao contrário, você poderá recordar daquelas bibliotecas com infiltrações, empoeiradas, que nem de longe se pretende entrar e assusta qualquer um.

Mas, afinal, o que é biblioteca? Onde ela surge? Como ela era no passado? E como ela é vista hoje?

A origem e o significado de biblioteca vêm do grego bibliotheke, que significa caixa para guardar livros. A biblioteca mais antiga que se tem notícias remonta ao século VII a.C. Foi formada por Assurbanipal, rei da Assíria, no intuito de preservar arquivos, relatórios e documentos, que eram gravados em placas de argila. No entanto, estes eram de acesso restrito, exclusivo aos reis, nobres, conselheiros, escribas e sacerdotes. (KLEBIS, 2009)

Uma das bibliotecas mais famosas da antiguidade era a Biblioteca de Alexandria, a qual contava com um acervo de 500 mil rolos (uma obra podia ocupar, sozinha, de dez a trinta rolos), tendo como objetivo acumular o conhecimento produzido até então - era a busca do universal, um desejo de conter, num único lugar, todo o saber produzido pelo homem, toda a sabedoria.

Saindo da Antiguidade e entrando na Idade Média, na Europa Ocidental, sob o domínio político e cultural da Igreja Católica, as bibliotecas ficaram confinadas aos mosteiros, utilizadas somente pelos clérigos. Somente a partir do século XIII, com o surgimento das universidades, como a Sorbonne, na França, que iniciou a formação de acervos independentes aos religiosos, embora também o acesso fosse destinado aos eruditos, estudantes e professores.

Conforme Battles (2003, p. 80)

[...] o rápido crescimento no número de códices marcou uma mudança qualitativa e quantitativa na natureza da biblioteca. De fato, em meados do século XIII, os livros da faculdade não estavam nem mesmo reunidos numa biblioteca. Ficavam distribuídos entre os professores, que os utilizavam em suas atividades de ensino. Era só quando um professor viajava que os livros usados por ele ficavam armazenados em arcas acessíveis a todos.


Junto ao surgimento da universidade, inicia-se uma importante prática, segundo Chartier (1999), a prática da leitura em silêncio, pois começam a ser numerosos aqueles que leem sem murmurar, sem ler em voz alta, portanto a leitura passa a ser praticada solitariamente, em ambientes sem interferência de ruídos.

Mesmo após outra importante mudança, com a imprensa de Gutemberg, no século XV, o que produziu uma proliferação de bibliotecas, essas ainda continuavam a serem acessadas pelas elites. Segundo Battles (2003, p. 76) “as grandes bibliotecas não surgiram em virtude da economia ou da eficácia da página impressa, que mais tarde viriam a temer. Estavam mais ligadas ao apetite que duques, mercadores e papas tinham por esse novo tipo de erudição congênita ao Renascimento”.

As bibliotecas também não passaram despercebidas pela Inquisição, que condenava à fogueira inumeráveis obras da Antiguidade e de outros tempos, por serem consideradas heréticas, pagãs ou anticristãs. Nesse período, muitas bibliotecas esforçaram-se em preservar obras inestimáveis de seus acervos da intolerância que assolou o ocidente durante a Inquisição Católica. O terror promovido pelo Santo Ofício foi sentido pelos bibliotecários do século XVI.

Já nos séculos XVII e XVIII, com o crescimento do número de obras e com o surgimento de grandes bibliotecas universais, como a biblioteca da universidade de Harvard na América, os grandes desafios eram a organização, a preservação e a conservação de seus acervos, muitas vezes oriundos da generosidade de seus doadores, que não se furtavam a fiscalizar o destino e a manutenção de suas valiosas doações. (KLEBIS, 2009)

Já a preocupação do século XIX aponta para uma nova perspectiva, isto é, ampliar o acesso à biblioteca, fazer com que ela tenha uma função social e um compromisso com a formação de seus leitores. Contudo, essa ideia resgatada no século XXI, passou por maus momentos no século XX, já que neste vivenciamos através dos regimes totalitários e ditatoriais novas formas de destruir livros e de instrumentalizar essa destruição.

Já no Brasil, segundo Santos (2010), a história das bibliotecas, até o início do século XIX, pode ser resumida em três etapas sucessivas, a saber: Bibliotecas dos Conventos e Acervos Particulares, Fundação da Biblioteca Nacional e Criação da primeira biblioteca pública, a da Bahia.

No Brasil Colônia aparecem os primeiros acervos particulares, embora este período ficasse marcado pelos acervos das ordens religiosas, nos monastérios, principalmente com os Jesuítas. No entanto, com a extinção da Companhia de Jesus, devida expulsão realizada por Marquês de Pombal, em 1773, os acervos dos Jesuítas ficaram em lugares impróprios, prejudicando o acesso, bem como a preservação. É válido lembrar que os acervos das bibliotecas religiosas coibiam uma séria de leituras e o acesso era restrito, somente aos que faziam parte das ordens.

Com a vinda da Família Real ao Brasil, há a transferência da Real Biblioteca, com um acervo aproximado de 60 mil peças, sendo o início da fundação da Biblioteca Nacional, a qual foi inaugurada oficialmente em 1811, nas instalações do Hospital da Ordem Terceira do Carmo. O seu acesso, no entanto, era restrito, mediante prévia solicitação de estudiosos (SANTOS, 2010). Com o advento da Independência, a Real Biblioteca passou-se a denominar Biblioteca Nacional. Seu acervo foi montado a partir de aquisições e doações. Por outro lado, no mesmo ano da transferência da real Biblioteca, tivemos a criação da Biblioteca Pública da Bahia, a qual é considerada a primeira biblioteca pública do país, visto que a Real Biblioteca já existia em Lisboa, pois só foi transferida.

Pelo que foi exposto até o momento chegamos ao século XXI com duas características que ainda permeiam as bibliotecas atuais, a saber: um espaço privilegiado ou acessado por poucos e com uma finalidade de reunir o conhecimento produzido pelos homens ao longo do tempo e espaço e que é importante para a memória e conhecimento.

Em suma, segundo Klebis (2009, p. 13-14):

As bibliotecas sintetizam essas muitas vertentes herdadas ao longo dos séculos, de modo que as imagens que as representam hoje incorporam traços muitas vezes indiscretos dessa herança cultural milenar que faz da biblioteca um espaço plural, em que se confluem diferentes modelos arquitetônicos e funcionais; diversas formas de organização, disposição e circulação de acervos; variadas condutas e posturas de bibliotecários e consulentes; múltiplas práticas de leitura e infinitas possibilidades de relacionamento entre leitores e livros.



Hoje, através das políticas públicas existentes como, por exemplo, no Brasil, com o Plano Nacional do Livro e Leitura, a principal tarefa da biblioteca é democratizar o acesso ao livro, à leitura, à informação, embora sua concepção esteja mudando para a de Centro Cultural, já que a tendência é que a biblioteca seja um espaço de interação com as novas tecnologias (novos suportes do livro) e outras artes, além de que sua disposição arquitetônica está sendo adaptada às novas formas de prática da leitura, isto é, há sofás para o leitor ler deitado, pufes e outras cadeiras mais aconchegantes (Cf. Biblioteca Mario de Andrade - SP, Biblioteca de Manguinhos -RJ e a de Niterói -RJ).

A nosso ver, a Biblioteca do século XXI, além de ser um importante espaço cultural, deve tomar para si a importante tarefa de ser uma mediadora da leitura, da formação de leitores, enfim, de um trabalho de politização de leitores e de práticas de leitura.



Referências:



BATTLES, Mathew. A conturbada história das bibliotecas. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003.



CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado de

São Paulo, 1999.



KLEBIS, Carlos Eduardo de Oliveira. Bibliotecas e leitores: as heranças culturais através da História das Bibliotecas. Revista Conteúdo, Capivari, v.1, n.2, jul./dez. 2009.



SANTOS, Josiel Machado. Bibliotecas no Brasil: um olhar histórico. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, Nova Série, São Paulo, v.6, n.1, p. 50-61, jan./jun. 2010.



[1] É Mestrando em Educação (PPGE-UFJF), Especialista em Políticas Públicas (UFJF) e Graduado em História (UFJF).

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