terça-feira, 14 de agosto de 2012

Em louvor de Lúcio Cardoso: a casa assassinada em livro e imagem

Hoje, 14 de agosto de 2012, comemora-se o centenário de nascimento de Lúcio Cardoso. Como revista dedicada à Literatura, nos compraz falar desse tipo de efeméride, embora seja forçoso reconhecer que o autor em pauta é bem menos "badalado" que Jorge Amado e Nelson Rodrigues, outros escritores que também estariam completando um século de vida neste mês de agosto. Nem ouso compará-lo, então, com os medalhões da MPB que vão chegando aos 70 anos também em 2012.

Ao redor deste escritor mineiro paira o mito de que ele é "mais estudado na Academia que lido fora dela", o que talvez seja verdade nestes tempos de pouca leitura e busca de conforto nos braços da autoajuda. O que contribuiu para esse ostracismo foi a marcada diferença existente entre o autor e seus contemporâneos. Se de Jorge Amado pode-se dizer que pintou (e fixou) em romances épicos o jeito de ser e os costumes baianos, de Lúcio temos a constatação de que ele tentou, ao contrário, demolir Minas Gerais, atacando os valores encarnados na família mineira: casamento, zelo da reputação, contenção dos desejos sob a influência do catolicismo.

Lúcio Cardoso não esteve comprometido com um projeto literário focado no social e sim no adensamento da investigação ontológica. Dizendo de outro modo, ele também tentou, à sua maneira, contribuir para a definição da identidade do Brasil na primeira metade do séc. XX, porém, apontou com suas obras para as contradições, receios e jogos de máscaras da nossa sociedade.

Sua obra mais aclamada é Crônica da casa assassinada, de 1959. Há pouco mais de meio século desfilam por suas páginas um grupo de personagens sombrios e torturados, que se mostram nos quadros fragmentários de que se compõe a narrativa. Cartas, trechos de diários e depoimentos recopilados por um investigador nas sombras ajudam a contar a história dos Meneses, uma tradicional família mineira que vai se desagregando sob a influência de Nina, mulher da cidade que se casa com Valdo Meneses, membro do clã.

Como o objetivo da minha coluna na revista não é somente louvar as personalidades literárias do nosso meio, faço aqui a ponte com um filme que se baseou no romance em referência. Dirigido por Paulo Cesar Saraceni e roteiro adaptado pelo próprio Lúcio Cardoso antes de falecer, estreou em 1971 o filme A Casa Assassinada, que transpõe para as telas ao longo de 103 minutos o essencial da obra cardosiana, com destaque para as atuações de Norma Bengell no papel de Nina e de Carlos Kroeber no papel de Timóteo, um dos irmãos de Valdo e "ovelha negra" da família, assombroso em sua obesidade acomodada em trajes femininos de uma avó do clã dos Meneses. O longa metragem conta com trilha sonora composta pelo maestro Antônio Carlos Jobim. Acima apresento a imagem do cartaz do filme e, à falta de um trecho do mesmo, termino essa postagem com um vídeo em que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo executa parte da obra composta por Jobim para a película.


PS: Abaixo uma breve apresentação de outras obras de Lúcio Cardoso. 

Maleita (1934)
Primeira obra do autor, escrita aos 16 anos. O título refere-se à doença endêmica na região do rio São Francisco

Salgueiro (1935)
A ação se passa no morro carioca homônimo e trata da miséria de três gerações de habitantes do lugar

A luz no subsolo (1936)
A loucura que se abate em um casal depois da chegada, em sua casa, de uma nova empregada

Dias perdidos (1943)
Trata da trajetória de Silvio, que parte de Minas Gerais para o Rio de Janeiro após a morte dos pais

Inácio, O enfeitiçado e Baltazar (esta última, inacabada) (1944, 1954 e 2002, respectivamente)
Três novelas centradas no personagem Inácio, que convive com alcoólatras, prostitutas e assassinos de aluguel


PS (2): Segue também uma relação (bem resumida) de títulos mais novos dedicados à avaliação crítica da obra do autor.

* O riso escuro ou o pavão de luto: um percurso pela poesia de Lúcio Cardoso. Prefácio de Ruth Silviano Brandão. São Paulo, Edusp/Nankin, 2006. - de Ésio Macedo Ribeiro

* Lúcio Cardoso: Paixão e Morte na Literatura Brasileira. Maceió: Edufal, 2004 - de Enaura Quixabeira Rosa e Silva

* Espaços de memória: uma leitura de Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. - de Marta Cavalcante de Barros

Nenhum comentário:

Postar um comentário