terça-feira, 30 de abril de 2013

Conto selecionado no Edital 05/2013: "O quadro"

O quadro

por Ana Luiza Drummond *

É possível que um dia eu me apaixone pelas obras de Pollock. Isso já me aconteceu antes. Passei muito tempo odiando Borges, acusando-o de pseudoescritor, simplesmente por que não entendia bulhufas de seu Tlön. Familiarizei-me com ele após a 5ª leitura, hoje já devo estar na 15ª; daqui a um tempo o decoro, mas ainda me custa sua amplitude desgovernada. Pois é, mas enquanto isso, continuo odiando Pollock e seu estrelismo medido, contrário aos seus pingos e riscos (por mais que ele negue). É por isso que estou agindo dessa forma (gosto disso mais do que acredito e menos do que não espero?). Mantenho-me distante, do outro lado da sala, e espero pela resolução da cena. Já explico: essa é sua primeira exposição e ele está orgulhoso de si, embora demasiadamente nervoso. Não nego que talvez, no início, eu tenha tentado desencorajá-lo. Penso mesmo que cheguei a dizer que via Pollock em seus quadros, sabendo eu que sabia ele minha repulsa. Sou uma pessoa sem o gift do inglês, embora me sobre o do alemão (sempre me apeteceu esse péssimo joguinho, pois que fique!). Não tenho problema algum com a arte moderna, embora me encante a l’art pour l’art. O problema é que eu não considero nenhuma de suas obras como arte. Ele se prepara, eu o encaro. Baixa-se, então, o pano. Sua mais recente e estimada obra, que ninguém, exceto ele, havia visto, está exposta. Ponho-me diante dela e a miro, com toda minha força. Um jato de gargalhadas jorra de dentro de mim sem que eu consiga obstruí-lo. Saio em retirada molhando e contaminando a todos os presentes, que ao mesmo tempo se unem a mim naquela sensação molhada de não sei quê. Passo por uma porta entreaberta e vejo-me numa sala difusa. Ao mesmo tempo, entra a correnteza dos demais. Não consigo me controlar e temo pelo pior: sua reputação. Eu o amava. Mas então, que fazia eu? Ao me perguntar, acabei percebendo. Na verdade, eu não fazia nada. Ele é quem fazia! Não havíamos apenas mirado sua obra: estávamos dentro dela! Ele? De costas, do outro lado da porta, ia se retirando enquanto nos afogávamos. 

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* Ana Luiza Drummond nasceu em Ferros, Minas Gerais, em 1988. Atualmente cursa Bacharelado em Estudos Literários e Licenciatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Ouro Preto e é professora de Língua Portuguesa na Escola Estadual Cônego Braga. Publicou recentemente o conto “O pio da coã”, na antologia de contos Fantasiando, além de crônica em revistas semanais. Possui ainda artigos publicados na área da Literatura e da Educação.

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